A quem serve, de fato, Serra?
Por Renato Rabelo*
Não é de hoje que tenho chamado a atenção para a falta de um programa de governo que balize a candidatura oposicionista. Isto não pode passar despercebido na medida em que a história recente do país e o arco que sustenta a candidatura de Serra tem convicções cristalizadas sobre que país eles "sonham". Na verdade, diante de um governo vitorioso e pautado por objetivos de natureza oposta ao de FHC, não é muito fácil para eles expor de forma clara os seus reais intentos . Daí a tentativa diuturna de desconstrução da imagem de uma figura pública da estatura de Dilma Rousseff.
É assim que os oposicionistas desenterram os piores expedientes possíveis para combater nosso campo, denunciando de forma evidente que para eles "democracia" e "liberdade de expressão" só tem serventia para determinados interesses, classes e segmentos da sociedade; uma "democracia" para apenas uma minoria da população; uma "democracia" que permita falar grosso com a Bolívia e estende tapete vermelho para interlocutores norte-americanos.
Eis a essência de extrema-direita da campanha tucana. Diga-se de passagem, que quando me refiro à "extrema direita" não estou me utilizando de uma simplificadora figura de retórica. Refiro-me a práticas políticas que remontam a pautas da Idade Média e práticas de governo para quem o Estado deve ser "mínimo" para a ampla maioria da população e "máximo" para os "investidores" estrangeiros, máximo para os banqueiros, máximo para os detentores privados do monopólio sobre a comunicação social e máximo – também – aos aparelhos de repressão a qualquer manifestação popular, seja ela simplesmente reivindicatória, seja ela voltada pela manutenção de conquistas genuinamente democráticas. Os tanques na rua contra os petroleiros logo no inicio do primeiro mandato de FHC, o assassínio a sangue frio de trabalhadores sem-terra e o festival de cassetetes contra professores em greve em São Paulo, são exemplos significativos dessa orientação.
Já durante o primeiro turno, deveríamos ter colocado claramente esta contraposição exposta acima. Porém, o segundo turno serviu – dentre outras coisas – para escancarar a visão de mundo da coligação de Serra. Se num primeiro momento eles esconderam FHC, agora essa figura ocupa seu espaço de guru ideológico, o homem que dá a linha política da oposição. E isso diz muita coisa, pois no concreto José Serra não foi somente o ministro da saúde de seu governo: foi o ministro do planejamento do que eles diziam ser "o maior programa de privatização do mundo".
Afora esse aspecto de soberba ideológica, para eles esse processo visava – também – o amortecimento da dívida pública brasileira. Mas vejamos: arrecadou-se cerca de US$ 100 bilhões com o fim de diminuir a dívida pública e tirar a nação de uma permanente "crise fiscal do Estado". O resultado foi o oposto, pois a dívida interna brasileira cresceu bem mais rápido que o PIB, passando de R$ 60,7 bilhões, ou 28,1% do PIB, em 1994, para R$ 633,2 bilhões, ou 50% do PIB, em 2001. A farsa da "estabilidade monetária" não se sustenta diante da geração de 12 milhões de desempregados, iniciando um processo de quebra do tecido social brasileiro sentida até hoje. Na verdade se propala "divergências" no núcleo de governo de FHC quanto ao problema das privatizações e da política monetária. Em tese, os fatos demonstram o contrário: existiam não divergências e sim um campeonato para ver quem era mais entreguista: José Serra ou FHC? Pedro Malan ou o presidente do BC de plantão?
Ele, José Serra, nos acusa de "apego ao passado" para atingir a candidatura de Dilma e que as privatizações não estão mais em pauta. A questão é a seguinte, quem define a pauta de José Serra (que buscou desesperadamente privatizar a Nossa Caixa)? É o próprio candidato ou o "esquemão" que sustenta a candidatura dele? Não sejamos ingênuos. A grande militância dele se sustenta na imprensa e, diga-se de passagem, a mais ultra liberal da América Latina. Daí José Serra ter recorrido à imprensa, no início da crise financeira internacional, para denunciar a "farra de gastos do governo" quando o certo, segundo suas próprias palavras, seria um "enxugamento radical destes gastos". Esse foi o dízimo pago por Serra para aparecer mais nos programas noticiosos da TV. Será que no governo, José Serra iria contra esse esquemão? Iria contra os possíveis beneficiários de um esquema de pré-loteamento do pré-sal para "investidores" estrangeiros? Iria contra o seu ide ólogo FHC que recentemente em novo posfácio ao seu livro "Capitalismo e Dependência na América Latina" (escrito no início da década de 1960) para deixar evidente sua repulsa pelo "esquema" de inserção externa brasileira e simultaneamente elogiar a "abertura" mexicana? Somos nós, enfim, que queremos a "mexicanização" do Brasil?
Enfim, a batalha é dura e requer um grande esforço para desnudar as verdadeiras intenções que estão por trás da campanha de José Serra.
*Renato Rabelo - é presidente nacional do PCdoB
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