Cotidiano
Vale à pena ler o texto do Dimenstein de domingo, que, na Folha, sempre foi o meu jornalista preferido dos anos 80 e 90.
Quem quer ser um político?
Por GILBERTO DIMENSTEIN
NA QUARTA-FEIRA passada, o rapper Afro-X cumpriu seu último dia de uma pena de 14 anos -sete deles no Carandiru e o restante em liberdade condicional- por assalto à mão armada. Comemorou a data lançando uma autobiografia, intitulada "Ex-157", para tentar explicar como um jovem é seduzido pelo crime. Entre as inúmeras razões, segundo ele, destaca-se o político brasileiro. "Eles transmitem a sensação de que o crime compensa. São tantas as acusações e parece não acontecer nada."
Afro-X escreveu o livro para mostrar que, pelo menos para os pobres, a criminalidade invariavelmente acaba em três "C"s: cadeia, cadáver ou cadeira de rodas. "Quando entrei para a bandidagem, tinha certeza de que, com minhas armas e dinheiro, sempre ia me safar."
Uma pesquisa realizada pelo Datafolha no ano passado mostra que essa visão é disseminada em toda a juventude brasileira, rica ou pobre -e acaba provocando um descrédito à democracia, ojeriza à política e até tolerância com a desonestidade. Na visão dos brasileiros entre 15 e 25 anos, a desonestidade, segundo o Datafolha, está em primeiro lugar, empatada com a violência, na lista dos maiores problemas brasileiros. Vence, com folga, o desemprego e a miséria.
Essa pesquisa é especialmente valiosa diante da enxurrada de notícias sobre desvios que se acumularam nas últimas semanas. Quanto menor a mazela, mais compreensível pelos cidadãos -e, por isso, gera ainda mais indignação. Misturam-se num só saco abusos com passagens áreas que envolveram de Adriane Galisteu a Fernando Gabeira, em meio a denúncias de que gabinetes de parlamentares negociavam bilhetes como se fossem agências de viagem.
Revelou-se que estudantes de famílias ricas foram beneficiários das verbas do Prouni -algumas delas teriam carros importados. Um ministro é acusado de ter um motorista particular pago pelo Senado; um deputado manteria sua empregada doméstica na folha de pagamentos da Câmara. Para completar, o presidente do Supremo Tribunal Federal é acusado, em atrito durante uma sessão transmitida ao vivo, de ter capangas em terras do interior do país.
Todas essas notícias, recorrentes há tantos anos, ajudam a explicar a mais trágica das respostas dos jovens ao Datafolha: 74% não têm "nenhum" interesse em participar dos partidos. Outros 18% disseram que teriam "pouco" interesse.
A pergunta óbvia: como poderemos ter uma democracia representativa se a elite do país não se interessa pelos partidos? Se a percepção dos jovens, como demonstra a pesquisa, é a de que a atividade política está atolada irremediavelmente na lama, quem se interessaria em ser deputado ou senador? Talvez aqueles interessados em tirar proveito da vida pública? Entraríamos num círculo vicioso em que os honestos não fazem política porque seria um campo dominado por ladrões -mas, sem os sérios para ameaçá-los, os picaretas não correriam risco de perder suas vagas.
Disseminaram-se, em todos esses anos, vários mecanismos de controle, ampliados pelas novas tecnologias de informação. Antigamente, havia diversos orçamentos, com imensa liberdade de ação ao Executivo.
A farra dos bancos oficiais e das estatais era várias vezes maior do que hoje -até porque havia mais bancos e estatais. O Ministério Público só ganhou poderes, de fato, na democracia.
Criaram-se marcos históricos como a Lei da Responsabilidade Fiscal. É muito mais fácil hoje acessar, destrinchar e divulgar detalhes das contas públicas.
O sistema democrático fez muito mais para controlar os recursos públicos, denunciando e até punindo falcatruas, do que o regime militar. Foi nesse ambiente que se conseguiu compatibilizar liberdade, estabilidade econômica e crescimento com um início de distribuição de renda.
Essa parte da história, feita por políticos sérios, também precisa ser contada, para que os mais jovens não desacreditem da democracia e da política.
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